A formação de professores/pesquisadores de História no contexto da Cibercultura: História Digital, Humanidades Digitais e as novas perspectivas de ensino no Brasil.
A presente comunicação (resultante de pesquisa em fase inicial) tem como objetivo geral, a análise e a reflexão, sob uma perspectiva metodológica qualitativa, acerca da formação de professores/pesquisadores de História no contexto da cibercultura e na sua esteira, da chamada História Digital (
Digital History) e Humanidades Digitais (
Digital Humanities). Os contributos metodológicos e práticos que as diversas tecnologias podem oferecer aos profissionais de História, as competências técnicas necessárias ao usufruto das mesmas e o entendimento das novas subjetividades erigidas, são de suma importância para a análise das mudanças paradigmáticas contemporâneas que abarcam o ensino, a pesquisa e, portanto, a formação docente neste devir.
Desde os anos 60 e 70 do século XX, observam-se mudanças culturais relacionadas aos meios comunicacionais, estudadas por grandes pesquisadores das mais diversas áreas de saber, a exemplo de Marshall McLuhan, filósofo e teórico da comunicação, que postulou a ideia de que a interdependência eletrônica recriaria o mundo numa aldeia global resultando no neotribalismo, erigindo assim, uma nova cultura.
Seus aforismos como “o meio é a mensagem”, “os meios como extensões do homem” e “O homem cria a ferramenta. A ferramenta recria o homem”, permanecem atuais na análise do mundo contemporâneo com suas múltiplas conexões, dotado da dimensão de universalidade (e assim sendo, “extenso, interconectado e interativo”) e, portanto, menos totalizável (LÈVY, 1999, p.120) e de difícil apreensão.
Mcluhan aponta para uma sensibilidade na qual o meio traz consequências sociais e pessoais resultantes do estalão introduzido em nossas vidas por uma nova tecnologia, que é a extensão de nós mesmos. A máquina, por exemplo, independente do tipo de produção que faz, constitui a mensagem e transforma as relações. O autor pretende assim postular que o meio, geralmente pensado como um simples canal de passagem do conteúdo comunicativo, é um elemento determinante da própria comunicação: “o meio é a mensagem” (MCLUHAN, 2006).
A ideia postulada por Mcluhan de “aldeia global”, de “ser planetário” relaciona-se aos movimentos de contracultura dos anos 60, que junto à instantaneidade dos meios comunicacionais eletrônicos, construiu uma subjetividade diferenciada (não-linear), denominada por muitos como pós-moderna e que foi a gênese da cibercultura que eclodiu em 1989 (BOLESINA; GERVASONI, 2015, p.08). Surge assim um novo mundo, relacionados à tecnociência e às tecnologias de Informação e de Comunicação (TICs).
É no universo educacional, o
locus de grande visibilidade das mudanças sociais e culturais, tendo em vista a construção das identidades e apreensão da alteridade cultural através dos processos de aprendizagem e socialização. Com a pós-modernidade este universo passa por ressignificações e buscam metodologias que se integrem às novas tecnologias da informação, a interdisciplinariedade – entendida como os saberes comuns a uma ou mais matrizes de conhecimento-, e principalmente, a Antropologia, esfera privilegiada que aborda a cultura como dimensão fundadora da sociedade e permite o entendimento da alteridade, importante valor de reconhecimento das diversas culturas que permeiam o ambiente escolar. A complexidade e a diversidade cultural observada reflete o espaço sem fronteiras, desterritorializado da cultura engendrada no ciberespaço, denominada como cibercultura.
A cibercultura representa um conjunto de técnicas, modos de pensamento e valores que se instituíram no ciberespaço (LÈVY,1999) que especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo de informação que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Pode ser entendido como a união de redes e recursos de comunicação formada pela interconexão global dos computadores pelo qual passou a ser possível o acesso à distância aos recursos de um computador, a exemplo da troca de arquivos digitais de forma simplificada, o envio de mensagens de forma sincrônica ou assincrônica, conferências eletrônicas em tempo real e transmissão de vídeo/som, entre horizonte de outras possibilidades. O conjunto dessas novas práticas, suportadas pelas tecnologias digitais e que foram apropriadas pela sociedade contemporânea transformaram os saberes e as práticas educacionais.
Vale ressaltar que tais transformações culturais se dão não somente com o aparato tecnológico, mas principalmente pelos tipos de signos que circulam nesses novos meios engendrando mensagens e processos de comunicação (SANTAELLA, 2003, p.24).
Com o advento da cultura digital e sua universalização, as interações sociais e a produção de conhecimento são amplamente transformadas através da virtualidade, reverberando na chamada História Digital e Humanidades Digitais.
Dentro do contexto educacional brasileiro esta nova configuração tecnológica não se enquadra ainda a realidade escolar e não apenas devido à questão estrutural de precarização de escolas e universidades públicas, como se observa atualmente. Há também resistência dos profissionais no campo das licenciaturas, especificamente nas das Ciências Humanas, como a História, em relação à inserção e discussão acerca de metodologias do ensino relacionadas ao novo processo comunicacional, o que nos coloca em situação de atraso frente a outros países.
Hansen (2015) assinala, segundo dados da centerNet, que existem 196 centros de pesquisa sobre Humanidades Digitais, sendo 88 na América do Norte, 75 na Europa e os 12 restantes pelo resto do mundo. A História Digital (
Digital History) e o campo das Humanidades Digitais (
Digital Humanities) são termos ainda recentes no léxico acadêmico brasileiro e não há consenso sobre seus significados.
A presente pesquisa analisará os processos comunicativos contemporâneos e suas interfaces com a Educação e a História (tanto no ensino, quanto na pesquisa), assim como as tecnologias, interações e convergência (História Digital e Humanidades Digitais) e a produção de linguagens e produção de sentidos no contexto da cibercultura.
Trata-se de forma geral, de repensar sob a égide das mudanças paradigmáticas postuladas pela cibercultura, os novos sentidos para a educação e a pesquisa que seja consonante às tecnologias, mas também humanista e aberta à complexidade e diversidade que os novos “meios e mensagens” nos trazem na contemporaneidade. Como afirma Hansen (2015), preparar futuros historiadores para o uso de outras mídias, que não as convencionalmente usadas, significa equipá-los com ferramentas que permitam explorar criativamente diferentes formas de apresentação do conhecimento histórico, e também avaliar criticamente produções e recursos disponíveis.
Appendix A
- HANSEN, P.S.
Digital History e formação de historiadores: sugestões para um debate.In BUENO,A.;ESTACHESKI, D.; CREMA (organizadores).
Tecendo amanhãs: O ensino de História na atualidade. Rio de Janeiro/União da Vitória: edição especial
Sobre Ontens, 2015. - LEVY, P.
O que é o virtual. São Paulo: Ed. 34, 1996. - __________.
Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999. - MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensão do homem (understanding media:The Extensions of Man). Editora Cultrix, São Paulo, 2006.
- SANTAELLA, L.
Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulos, 2003.